Essa azul mais escura, faz tempo que não uso
A outra azul clarinha nem precisava passar
Tomei banho, café, beijei a filha, a mulher, saí.
Deixo a menina na escola
Corro para o terminal para pegar o ônibus
Entro apressado, meu assento predileto está ocupado.
Um homem obeso, fedorento, calado.
Sento atrás dele.
Peço licença, abro a janela ao seu lado
Queria sentir uma brisa, atenuar o abafado.
Ele fecha.
Todos que passam olham com desdém.
Com nojo, com distância, como se fosse um bicho.
Ele ocupa dois lugares. Um e meio com seu tamanho o outro com sacos de lixo.
Talvez coubesse uma criança ao seu lado.
Se fosse magrinha e não tivesse olfato.
Falando em criança, vi hoje na TV
Uma mulher bonita, jovem certamente rica, falando de obesidade infantil.
Ela dizia que não era só a criança.
Os pais, o meio, a cultura, condições socioeconômicas
Constituíam cada pedaço de banha
Saí antes dá matéria terminar.
Diante de tanta gordura transcendental
Tem dieta que dê conta?
Voltemos a nosso indigente.
Todos olham com desdém.
Todos coçam o nariz
Desejando com o olhar que ele não estivesse ali.
Não sinto ninguém desejando que ele tivesse podido tomar banho.
Não sinto ninguém desejando que ele não tivesse trombose
Não sinto ninguém desejando que não houvessem verrugas na cara.
Não sinto ninguém olhando pra sua alma.
Escuto conversas sobre o crush
Escuto conversas sobre o carnaval
Conversas sobre fulaninha amostrada
E mais olhadas-talhadas.
Eis que ele fala.
Uma voz linda, denúncia um segredo
Eis que ele brada:
O homem tem medo.
Ele entende mais do que eu, sabedoria linda.
Sou só mais um turista olhando sua dor em contemplação
Ele dorme. Abre espaço para que possam olha-lo com mais depreciação
Todos dormem, em pés, trabalhando, estudando, fofocando.
Só não sabem ainda.
Vi uma formiga passeando em suas costas
Assim como nós fazemos
Metas impostas
Símbolo de força e organização
Assim como nós fazemos
Sem questionar qual a razão.
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